quarta-feira, março 03, 2010

Esquecemos então João e Maria, Adão e Eva e Romeu e Julieta. A prosa pertence a dois pobres amados urbanos que se esqueceram numa tarde de domingo: Sofia e Bernardo.
Atrelada e desengana Sofia contava nos dedos, muita coisa e pouco dinheiro. E Bernardo, ah... O Bernardo, metidinho a besta. Toda vez que tentava não errar errava; era hoje ou amanhã? Quem sabe depois? 16 ou 17? 21 0u 13? O aniversário dela se perdera nos lírios murchos do ano que já se passara. Quem diria os dois abobados perdidos tentando aprender a amar sobreviveram um ano. Exatos 384 dias naquele domingo.
Sofia se enganou. Atravessou o sinal e balançando a cabeça, como se fosse para afastar os pensamentos nele.
E das duas bocas, que tanto se encontravam nos finais de semana, nunca havia saído sequer um "eu te amo". Pedrinhas do sapato e ventos soprados não faltaram. Por quê?

Na tarde de quinta, 401 dias atrás, embaixo da escada matando aula falavam e riam sobre o tal amor. Sofia jurando que apenas diria a alguém que o amava quando fosse eterno. Bernardo gargalhando e afirmando que não acreditava no amor.
Arriscariam eles após 384 dias amando um ao outro todos os míseros dias, comuns ou extasiantes que para ela seria eterno e que ele estava errado? Tão errado que seu coraçãozinho pequeno de adolescente ferrado anunciava a toda lembrança “Sofia, Sofia, Sofia”. Será?

Bernardo pulou, caiu borrado, medroso, cansado. Saiu correndo, beijo mãe, já volto pai. Uma dúzia de tulipas, suas preferidas. Um beijo pronto. Ideias mirabolantes para a noite em mente. Discou o número como de costume “já estou aqui”.
Sofia rindo baixinho, olhava para o relógio digital e pensava no atraso banal. Hoje era um dia especial, não como os outros. Chegou, viu tulipas. Surpreendeu-se. Beijou, abraçou. “Feliz aniversário” “Como é que é?” “Feliz aniversário, eu te amo” “Hoje não é meu aniversário, é apenas depois de amanhã”. Discussão, e o pobre coitado do amor esquecido entre as falas soluçadas de uma garota em crise.

Ela se foi, era só isso que Bernardo pensava.
Não fora uma noite fácil, virava pra lá e pra cá, pra cá e pra lá. Descascava a parede, chorava escondido. Como se todo o machismo desprezível que havia nele houvesse se esvaído no ralo do banho. Já era, fodeu, ferrou, cabô.

Tricentésimo octogésimo quarto dia.
Uma ligação.
“Alô”
“Eu te amo também”.